Bananas ao Cinema Nacional!


Para as pessoas do final do século passado um dos principais ícones de sua geração era a Zebrinha do Fantástico que ditava o resultado da loteria esportiva. Estas pessoas, inevitalmente saudosistas como eu, não se cansam de lembrar que o Didi e o Dedé já foram, um dia, engraçados. O cinema dos Trapalhões era um besteirol genuinamente brasileiro, e claro, mercadológico. Nossos hermanos hoje já não são lá tão bons de risos, mas minha capacidade de rir de besteiras se modificou consideravelmente. O que importa dizer é que se não fossem os Trapalhões, a Xuxa ou os filmes religiosos nas épocas de quaresma católica eu jamais teria conhecido o cinema, a sala escura, a telona.
Os cinemas de rua, que já eram raros na minha cidade, não existem mais em quase lugar nenhum. A mais recente história que eu ouvi dizer foi o Paissandu, no Rio de Janeiro, que cerrou suas portas após um passado de glória. Lugar histórico onde a geração de 60 e 70 assistia obras clássicas e inspiradoras do que viria se tornar hoje a dita “retomada do cinema nacional”.


De acordo com a análise de André Gatti no livro Cinema no Mundo – Indústria Política e Mercado (Vol III – América Latina), a chamada “retomada” se deu em uma época de mudanças das legislaturas do audiovisual, quando se configurou o atrelamento dos exibidores com os distribuidores internacionais, acordo que possibilitou o aumento gradativo dos preços dos ingressos e leis protecionistas pouco eficazes. Isso gerou o afastamento do público de baixa e média renda dos cinemas, público que sustentava a produção nacional.
O setor de exibição foi encolhido, ao passo que o aumento dos ingressos enfraqueceu o setor de produções que ainda se mantém em desvantagem com setores de exibição e distribuição. Os custos nacionais de produção média e de lançamento aumentaram consideravelmente.
Segundo a pesquisa organizada no livro por Alessandra Meleiro, até meados de 1989 havia três pólos de produção com atividade constante, que levava ao cabo de lançamentos comerciais em média 80 longas por ano. Entre 1993 e 1999 esse número não passou de 25 filmes. O quadro começa a mudar a partir de 2006, quando são lançados 73 títulos, número que há muito não se via.
A euforia ufanística pelo filme nacional que se verificou na chamada “retomada” e que ainda hoje é verificada no consenso comum, não passa de uma tentativa de acobertar a conjuntura desigual que o cinema nacional vive em detrimento do cinema estrangeiro. A década de 1990 até 2003 coincidiu com um aspecto político e econômico de inserção do Brasil na era da globalização de mercados. Esse aspecto fez com que houvesse a reconstrução de um projeto industrial para a produção local destinado a exibição em salas de cinema.

O que se verifica, principalmente de 90 a 99, é uma receita bilionária do filme estrangeiro (1,8 bilões de dólares) além de notável desproporção da presença do filme nacional perante a indústria cinematográfica hegemônica (em 1990 foram lançados 7 filmes nacionais e 231 estrangeiros). Há quem afirme que as salas de cinema de rua restantes vivem hoje muito de eventos corporativos e quase nada de bilheteria. Pelo visto, não temos a menor chance!
Todo este monopólio estrangeiro, principalmente o americano, que desde o princípio do século passado, com o modelo fordista de produção industrial, vem ocupando sistematicamente o lugar de nossos cartazes nas vitrines dos cinemas. Com a mudança de perfil, onde as cópias, ao invés de compradas são alugadas pelos donos das salas, não é mais vantagem deixar os filmes brazucas ficar em exibição por muito tempo. Então, passamos a concorrer conosco mesmos. Daí então, devemos bater nas costas de nosso colega ao lado e pedir licença para entrar. Isso se o filme for no mínimo global e rentável. Já é comum que hoje a nova geração só conheça referências bastante lamentáveis de cinema.
Em entrevista à Revista de Cinema (set/out de 2008), o ator Leonardo Medeiros disse que discorda do suposto “boom” do cinema brasileiro, pois, “esses filmes foram assistidos por no máximo 400 mil pessoas, somando todos. Uma média de 25 mil por filme. Não acho que estejamos vivendo apogeu algum” afirmou.



Na minha cidade hoje só existe cinema dentro do Shopping Center meia boca e quase nenhum filme em cartaz por lá é brasileiro. Não que eu tenha saudade da década de 1980 no quesito “sucesso de investimentos no cinema nacional”. Esse texto é só para lembrar que o tempo passa, que o cinema serve para eternizá-lo, que ninguém precisa gostar de cinema ou de cinema brasileiro, mas é preciso saber que nosso cinema há muito está precisando de um cafuné, de um aconchego. E não é qualquer “retomadazinha” que é capaz de me engambelar não!
Aline Souza - jornalista e produtora. Contribui para este blog espontaneamente!

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